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J. J. ARREOLA BESTIARIO: "Dois pontos que se atraem não tem por que escolher forçosamente a reta. Claro que é o procedimento mais curto. Porém, há os que preferem o infinito. As pessoas caem umas nos braços de outras sem detalhar a aventura. Quando muito avançam em ziguezague. Porém, uma vez na meta, corrigem o desvio e se encaixam.
Tão brusco amor é um choque e os que assim se afrontaram são devolvidos ao ponto de partida por um efeito de culatra. Como projéteis, seu caminho ao inverso incrusta-os de novo, repassando o cano, num cartucho sem pólvora.De vez em quando, um casal se afasta dessa regra invariável. Seu propósito é francamente linear e não carece de retidão. Misteriosamente optam pelo labirinto. Não podem viver separados. Esta é sua única certeza, e vão perdê-la buscando-se. Quando um deles comete um erro e provoca o encontro, o outro finge não dar-se conta e passa sem cumprimentar".
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VEJA ONLINE: Na biografia de Shakespeare, não falta apenas uma imagem mais simpática. Apesar de o nome do bardo aparecer em vários documentos de sua época, especialmente litígios monetários – o escritor parece ter sido um tremendo sovina –, há lacunas em áreas sensíveis. A sexualidade, as idéias religiosas e políticas, a causa da morte do escritor estão abertas às mais selvagens especulações. A partir do século XIX, questionou-se até a autoria de suas peças. Para os chamados "anti-stratfordianos" – referência a Stratford, local do nascimento do escritor, em 1564, e de sua morte, em 1616 –, Shakespeare, que afinal era um mero ator sem educação universitária, teria apenas assinado a obra de outro escritor. Hoje francamente desacreditadas, essas teses contaram com adesões célebres, como as de Mark Twain e Sigmund Freud.
Há teses doidas que vão em sentido contrário: Shakespeare, além de ter produzido a mais admirável obra dramática e poética que se conhece, ainda teria encontrado tempo para navegar pelo mundo com o aventureiro Francis Drake ou para revisar a tradução da Bíblia comissionada pelo rei James. Não existem evidências concretas de nenhum desses feitos, mas há uma coincidência intrigante no texto inglês da Bíblia. No salmo 46, a 46ª palavra do início para o fim é "shake" (balançar, tremer); a 46ª do fim para o início é "spear" (lança), formando o nome do bardo. A Bíblia foi publicada em 1611, quando Shakespeare tinha 46 anos (ou 47, depois do aniversário). Uma provável coincidência. Enfim, o mito de Shakespeare não se nutre só de seu gênio. Também comporta uma boa dose de trivialidades.
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SHAKESPEARE: Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provocações e em luta pôr-lhes fim?

Morrer.. dormir: não mais! Dizer que rematamos com um sono a angústia e as mil pelejas naturais-herança do homem. Morrer para dormir... é uma consumação que bem merece e desejamos com fervor.

Dormir... Talvez sonhar! Eis onde surge o obstáculo pois, quando livres do tumulto da existência, no repouso da morte o sonho que tenhamos, devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios!

Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo o agravo do opressor, a afronta do orgulhoso, toda a lancinação do mal-prezado amor, a insolência oficial, as dilações da lei, os doestos que dos nulos têm de suportar o mérito paciente? Quem o sofreria, quando alcançasse a mais perfeita quitação com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos, gemendo e suando sob a vida fatigante, se o receio de alguma coisa após a morte,–essa região desconhecida cujas raias jamais viajante algum atravessou de volta –não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?

O pensamento assim nos acovarda, e assim é que se cobre a tez normal da decisão com o tom pálido e enfermo da melancolia; e desde que nos prendam tais cogitações, empresas de alto escopo e que bem alto planam, desviam-se de rumo e cessam até mesmo de se chamar ação.(...)
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BAUDELAIRE: (...) Todas as Fadas já se estavam levantando, julgando concluída sua tarefa, porque não restava mais presente algum, munificência alguma para atirar a toda aquela nulidade humana, quando um bom homem, um pobre e modesto negociante, creio eu, ergueu-se e, agarrando por sua veste de vapores policrômicos a Fada que lhe ficava mais próxima, exclamou:- Oh! Senhora! Está-nos esquecendo! Ainda falta meu pequeno! Não quero ficar sem receber coisa alguma!

A Fada deveria ficar perplexa, porque não restava mais nada.

Todavia, lembrou-se ela a tempo de uma lei bastante conhecida, embora raramente aplicada, no mundo sobrenatural, habitado pelas deidades etéreas, amigas do homem, e muitas vezes forçadas a se adaptarem às suas paixões, (...) - quero referir-me à lei que concede às Fadas, em semelhante caso, isto é, no caso de os presentes se acabarem, a faculdade de concederem mais um, suplementar e excepcional, sob condição, todavia, de ela possuir imaginação bastante para criá-lo imediatamente.

Por isso a boa Fada respondeu, com uma segurança digna de sua situação:- Dou a teu filho... dou-lhe... o Dom de agradar!

- Mas agradar como? Agradar? Por que agradar? - Perguntou teimosamente o pequeno comerciante, que sem dúvida era um desses raciocinadores tão comuns, incapazes de se elevarem até a lógica do absurdo.

- Porque sim! Porque sim! - Replicou a Fada, colérica, voltando-lhe as costas; e, reunindo-se ao cortejo de suas companheiras, dizia-lhes: - Que acham desse francesinho vaidoso que tudo quer compreender e que, havendo obtido para o filho o melhor quinhão, ainda ousa interrogar e discutir o indiscutível?


__d-.-b__ (ouvindo) Gary's Gang / Do It At The Disco
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SARAMAGO: Como serão as coisas quando não estamos a olhar para elas? Esta pergunta, que cada dia me vem parecendo menos disparatada, fi-la eu muitas vezes em criança, mas só a fazia a mim próprio, não a pais nem professores porque adivinhava que eles sorririam da minha ingenuidade (ou da minha estupidez, segundo alguma opinião mais radical) e me dariam a única resposta que nunca me poderia convencer: “As coisas, quando não olhamos para elas, são iguais ao que parecem quando não estamos a olhar”. Sempre achei que as coisas, quando estavam sozinhas, eram outras coisas. Mais tarde, quando já havia entrado naquele período da adolescência que se caracteriza pela desdenhosa presunção com que julga a infância donde proveio, acreditei ter a resposta definitiva à inquietação metafísica que atormentara os meus tenros anos: pensei que se regulasse uma máquina fotográfica de modo a que ela disparasse automaticamente numa habitação em que não houvesse quaisquer presenças humanas, conseguiria apanhar as coisas desprevenidas, e desta maneira ficar a conhecer o aspecto real que têm. Esqueci-me de que as coisas são mais espertas do que parecem e não se deixam enganar com essa facilidade: elas sabem muito bem que no interior de cada máquina fotográfica há um olho humano escondido… Além disso, ainda que o aparelho, por astúcia, tivesse podido captar a imagem frontal de uma coisa, sempre o outro lado dela ficaria fora do alcance do sistema óptico, mecânico, químico ou digital do registo fotográfico. Aquele lado oculto para onde, no derradeiro instante, ironicamente, a coisa fotografada teria feito passar a sua face secreta, essa irmã gémea da escuridão. Quando numa habitação imersa em total obscuridade acendemos uma luz, a escuridão desaparece. Então não é raro perguntar-nos: “Para onde foi ela?” E a resposta só pode ser uma: “Não foi para nenhum lugar, a escuridão é simplesmente o outro lado da luz, a sua face secreta”. Foi pena que não mo tivessem dito antes, quando eu era criança. Hoje saberia tudo sobre a escuridão e a luz, sobre a luz e a escuridão.

__d-.-b__ (ouvindo) Bellerruche / Anything You Want (Not That)
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À SABER: No livro “Universo Kabbalístico”, o inglês Z’ev ben Shimon Halevi – escritor e professor de Cabala - afirma que a astrologia sempre esteve dentro da Cabala judaica, apesar de muitos negarem o fato. “Até no Talmud há muita discussão sobre a influência do macrocosmo sobre o homem: por exemplo, um rabino chamado Hanina argumentava que os planetas determinavam a sina de uma pessoa, e um outro rabino, conhecido como Rava, declarava que a sorte de um indivíduo não dependeria de merecimento, mas do seu planeta regente”. Halevi assinala que nesses debates com rabinos contrários à idéia do poder atuante dos astros, ninguém negava a validade das influências celestiais, apenas o seu “governo” sobre Israel. “A palavra mazalot, que significa zodíaco, tem a mesma raiz de mazal (fortuna), e até hoje os judeus usam a expressão mazal tov (boa sorte) nas festas e celebrações, sem se darem conta de que a palavra trata de influências astrológicas”, explica o professor. E mais: o número 77 é o valor da palavra hebraica mazal! (Sheila Sacks)
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PRA QUEM NÂO SABE: A Síndrome de Cri du Chat (CDC) é uma anormalidade cromossomal que resulta em dificuldades no aprendizado. Foi descoberta por Jerome Lejeune, um geneticista francês, em 1963. É uma condição genética relativamente rara com uma incidência calculada de 1:50000 nascimentos e que é o resultado do “apagamento” de uma porção significante do material genético do braço curto de um dos pares do cromossomo cinco.
Ocasionalmente um segundo cromossomo é envolvido.
Como características desses pacientes temos: pranto agudo e lacrimonioso que muito se assemelha ao miado de um gatinho; peso baixo ao nascer; microcefalia; rosto arredondado; testa ampla; prega cutânea no ângulo interno do olho ( epicanto ), que dá a impressão que os olhos estão bem distantes um do outro (hipertelorismo); assimetria facial; orelha de baixa implantação; prega palmar única; mandíbula pequena; queixo retraído (microretrognasia ); hipotonia ( tônus muscular comprometido); dificuldade de sucção.
Também estão suscetíveis às infecções respiratórias e gastrintestinais; e podemos observar ( não freqüentemente) diversas deformações das quais as mais sérias são as cardíacas e as renais. Outras deformações menos graves são os quadris largos, as hérnias inguinais, a sindatilia (dedos ligados uns aos outros); refluxo acentuado.
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JUAN RODOLFO WILCOCK.: "Harux e Harix decidiram nunca mais se levantar da cama. Amam-se loucamente e não podem afastar-se um do outro mais do que sessenta ou setenta centímetros. Logo o melhor é ficar na cama, longe dos apelos do mundo. No entanto, o telefone está na mesa-de-cabeceira, e às vezes toca e interrompe os seus abraços: são os familiares que querem saber se tudo está bem. Mas essas chamadas são cada vez mais raras e lacónicas. Os amantes apenas se levantam para ir à casa de banho, e nem sempre, a cama está desarrumada, os lençóis gastos, mas eles não dão conta, cada um mais imerso na onda azul dos olhos do outro. Os seus membros misticamente entrelaçados.
Na primeira semana alimentaram-se de bolachinhas, de que se tinham abastecido abundantemente. Como as bolachas acabaram, agora comem-se um ao outro. Anestesiados pelo desejo, arrancam grandes pedaços de carne com os dentes, entre dois beijos devoram o nariz ou o dedo mindinho, bebem o sangue um do outro; depois saciados fazem novamente amor como podem, e adormecem para recomeçar quando acordam. Perderam a conta dos dias e das horas. Não são bonitos de ver, isso é verdade, ensanguentados, esquartejados, pegajosos. Mas o seu amor está para além de todas as convenções."
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